Somos mais que coisas que pensam…
O filósofo René Descartes afirmou que somos coisas que pensam[1], esse pensamento influenciou nossa visão contemporânea do que é o ser humano,sendo assim, somos apenas um “cérebro que anda”, mas será que somos somente isso?
Santo Agostinho, argumenta que somos seres que amam(para saber mais sobre isso leia esse texto), por isso, nao cessamos de amar objetos, pessoas ou planos, por nenhum instante, o que fazemos é apenas substituir um amor, por outro amor maior, e assim infinitamente, essa é a sina do ser humano decaído da graça. Até que ele se depara com o amor maior, o amor a Deus, e descansa nEle.
Essa visão de Agostinho, nos ajuda a retirar a compreensão de Descartes acerca do ser humano, de que somos um ser pensamente que carrega um corpo, ou seja, um cérebro ambulante, que é totalmente racional e suas emoções devem ser descartadas.
O que a ciência contemporânea tem descoberto, é que somos mais emocionais do que imaginávamos.Por exemplo, temos um cérebro dentro de nossas vísceras!
A ciência contemporânea está começando a alcançar essa antiga sabedoria bíblica sobre a pessoa humana. Os estudiosos da UCLA e da Universidade McMaster têm conduzido experimentos que estão esclarecendo nossos “sentimentos instintivos “. Seus estudos apontam para a maneira como os micróbios em nossos estômagos afetam a atividade neural do cérebro. “Seu cérebro não é apenas outro órgão”, eles relatam. . . afetado pelo que acontece no resto do seu corpo “. Na verdade, a Scientific American relata que existe “uma rede de neurônios frequentemente esquecida que reveste nossas entranhas que é tão extensa que alguns cientistas o apelidaram de “segundo cérebro.[2]
James K.A. Smith, inspirado em Agostinho, aponta que não é a mente racional em si, que nos move, mas sim, os nossos amores, ou em outras palavras, nossos desejos. São esses desejos que nos regem e são essenciais para adotar novos padrões de comportamento.
São as nossas vísceras que nos movem pelo mundo, não o cérebro[3], se entendermos que são nossos desejos que nos movem, fica mais fácil compreender por que alguém continua comendo picanha,mesmo sofrendo com colesterol alto ou continua fumando cigarro tendo um câncer no pulmão, ou qualquer outro tipo de vício. Assim explica Smith:
uma vez que você perceba que não somos apenas “coisas-que-pensam”, mas criaturas de hábitos, você perceberá que a tentação não se trata apenas de más idéias ou decisões erradas; muitas vezes é um fator de deformação e hábitos mal ordenados. Em outras palavras, nossos pecados não são apenas coisas separadas, ações erradas e más decisões; eles refletem vícios.[4]
Agora podemos compreender que nossa luta não é somente contra os pecados em si, ou vícios, mas contra os hábitos, ou aquilo que nos leva a pecar. São esses “gatilhos”, que liberam a passagem para a consumação do hábito. Tiago, irmão de Jesus, já sabia disso:
Ao contrário, cada um é tentado por seus próprios desejos intensos(episthimia), quando este o atrai e seduz. Então o desejo intenso(episthimia), depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. Tiago 1.14-15
Esses desejos podem ser bons ou maus, o que nos resta não é anular os desejos, mas sim, reordená-los. É o abandono de velhos hábitos, por novos, ou em outras palavras, a busca por amores superiores que nos atrairão para si.
A busca por pureza não é sobre a repressão da luxúria, mas sobre a reorientação da vida para um objetivo maior.
— Dietrich Bonhoeffer
Assim, entendendo que, não é possível vencer os vícios com apenas uma negação do desejo, pois isso é impossível, o que devemos fazer é usar um desejo superior como bússola, para nos reorientar para um objetivo maior do que o vício, em outras palavras, precisamos de um vício superior — uma virtude, que substitua o velho vício. Um bom exemplo é a jovem que quer perder uns quilos, ela sabe que não é bom para sua saúde, ela já assistiu palestras sobre como a gordura pode levar a um infarto, mas nada disso a move para perder os indesejáveis quilinhos. Mas somente quando uma festa está próxima e ela deseja entrar no vestido, que seu sentido é calibrado para perder peso e ela finalmente se move nesse objetivo.
O Apóstolo Paulo nos ajuda a compreender essa ideia melhor para vencer nossos vícios quando dá um precioso conselho ao jovem Timóteo:
Fuja das paixões da mocidade. Siga a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor.” 2Timóteo. 2.22
Paulo está explicando a Timóteo que não é o bastante fugir das “paixões da mocidade”, mas sim, substituí-las por novos hábitos, é onde entra a busca por “justiça, fé, amor e paz”. E não basta buscar esses hábitos ou virtudes sozinho, mas é necessário “com os que de coração puro, que invocam ao Senhor”. É uma cadeia de ações que nos ajudarão a mudar nossos maus hábitos. A fuga dos vicios é a reorientação de nossa vida para focar em algum objetivo maior, uma obra única que somente nós podemos realizar, como disse Frankl[5], ou o maior de todos os objetivos, descansar nos braços daquele que nosso coração encontra descanso, nas palavras de Agostinho, Deus.
BIBLIOGRAFIA:
[1] DESCARTES,René. Meditações.Meditação segunda, AT.IX
[2] SMITH,James K. A.“You Are What You Love: The Spiritual Power of Habit (English Edition). (Mídia eletrônica)
[3]Idem
[4]Idem
[5] FRANKL, Viktor E. Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. Petrópolis: Sinodal, Vozes, 2018.p.133
Thiago Holanda Dantas
Teólogo, professor,aprendiz de filósofo,missionário e escritor de blog. Escrevo sobre:TEOLOGIA|FILOSOFIA|POLÍTICA|CULTURA POP|RELACIONAMENTOS