“Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem” (Salmo 14:1)
O versículo epigrafado nos traz uma mensagem de suma importância dentro do livro de Salmos. O Salmo 14 tem tamanha relevância e aspecto didático que é, praticamente, repetido no Salmo 53 – com divergências apenas entre os versos 5 e 6. Ora, mas que mensagem nos traz essa porção da escritura sagrada, a ponto de ser repetida em duas ocasiões no mesmo livro? Certamente, o salmo 14 nos traz grandes lições acerca da pecaminosidade humana, bem como da redenção do homem.
Não pretendo, aqui, fazer uma profunda exposição desse Salmo (aconselho que estude esse Salmo mais profundamente em outra ocasião, ele é mui rico!), mas gostaria de chamar sua atenção para uma realidade que parece ser longínqua, entretanto, pode ser claramente percebida em nosso meio cristão.
O Insensato
A palavra insensato no texto (Sl 14:1) – diferentemente do seu sentido na língua portuguesa, que significa pessoa que não tem bom senso, louco, sem noção da realidade, etc – traz o significado de alguém que é oposto o do sábio, isto é, alguém que não anda segundo o temor do Senhor — que é o princípio da verdadeira sabedoria (Pv. 9:10). Logo, o insensato no salmo 14 é alguém que despreza absolutamente a realidade de que Deus existe! Essa condição de insensatez desemboca no que chamaremos de Ateísmo Prático, ou seja, negar que a existência de Deus seja relevante para vida humana, o que ocasiona, conseguintemente, consoante a parte b do vs. 1, à violação de todos os princípios, estatutos e leis estabelecidas por Deus, uma vez que eles “Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem” (Sl 14:1b).
Cumpre ressaltar, no entanto, que esse tipo de ateísmo do Salmo 14 é algo bem diferente do ateísmo técnico e filosófico que estamos acostumados a ver hodiernamente nos debates entre teístas e ateístas – esse tipo de negação da existência de Deus só veio emergir no séc. XVIII e hoje tem como um dos mais conhecidos proponentes, o biólogo Richard Dawkins.
Todavia, o ateu prático do Salmo 14 é alguém que vive como se Deus não existisse, praticando toda sorte de atos pecaminosos e repugnantes – é uma questão moral. Portanto, o insensato – ateu prático – passa a viver como se Deus não mais existisse, nem tampouco fosse nos julgar um dia em face de todas as nossas ações. Com maestria, o puritano do séc. XVII Matthey Henry comenta esse versículo, dizendo que “nenhum homem pode dizer: “Não há Deus”, sem que esteja a tal ponto endurecido no pecado, que tenha como seu especial interesse a não existência de alguém que o chame a prestar contas” [1].
No contexto histórico dessa passagem, o autor do Salmo (Davi), se referia aos insensatos, não em relação a pessoas de outras tribos inimigas de Israel ou a nações distantes dele; ele se referia, no entanto, aos israelitas, ou seja, o próprio povo de Deus que começara a viver como se Ele não mais existisse.
Estamos nos tornando insensatos?
Diante disso, para os nossos dias, podemos perceber que o Ateísmo Prático, também pode estar intrínseco ao nosso meio cristão, eclesiástico e, infelizmente, até em nossas vidas. Isso é perceptível, categoricamente, quando passamos a desprezar as realidades concernentes à Deus, ao Espírito Santo e ao nosso salvador Jesus Cristo.
Ocorre que, quando nos afastamos dos meios de graça deixados pelo próprio Deus, nossa fé e obediência a Ele declinam de tal maneira que nos tornamos insensatos.
Veja o porquê:
Quando deixamos de orar, passamos a confiar não mais em Deus, mas nas nossas forças e até no acaso. Esquecemos, destarte, do que Tiago diz em sua carta, a saber, que a oração de um justo pode muito em seus efeitos (Tg 5:17).
Já dizia o salmista Davi que a palavra de Deus é lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho (Sl 119:105). Quando nos afastamos do princípio de que a bíblia e tão somente a escritura é a nossa regra de fé e prática, e que essa palavra deve guiar às nossas vidas, estamos desdenhando o que Deus tem para falar conosco e dando ouvidos somente ao nosso egocentrismo e mundanismo inerentes a natureza humana.
A velha máxima “me diz com quem tu andas que te direi quem és” tem muito a ver com a realidade bíblica, veja o Salmo 1:1: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores”. Nesse sentido, quando nos afastamos da comunhão com nossos irmãos em Cristo, estamos fadados a nos tornarmos pessoas desventuradas e insensatas diante de Deus, pois somos seres influenciáveis, sobretudo, para o mal!
E agora, o que fazer para não me tornar um insensato?
Decerto, eu, na minha posição de miserável pecador, não sou a pessoa que terá a resposta final e mais eficaz para a pergunta supracitada, uma vez que “todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Sl 14: 3). Quero dizer, com isso, que todos nós somos falhos e pecadores, mas como outrora disse Calvino: “Na igreja de Cristo não há ninguém tão pobre que não possa compartilhar conosco algo de valor” [2].
Portanto, se valendo de outra máxima popular, qual seja, a de que “devemos aprender com os nossos erros para não repeti-los”, posso vos auxiliar nessa reflexão. Ora, já vimos nos parágrafos anteriores sobre se “Estamos nos tornando insensatos?” algumas cousas que nos afastam de Deus. E, assim como o antídoto para a cura de um envenenamento por cobra é extraído de seu próprio veneno, devemos verificar nas nossas faltas ou áreas débeis de nossas vidas, afim de encontrar o local ideal para aplicar o remédio curador ou preventivo que nos imuniza ante os enfraquecimentos da nossa fé cristã.
Primeiramente, caros leitores, quero esclarecer que devemos nos dedicar impetuosamente a oração, entendendo que não oramos ao acaso, nem tampouco a uma força impessoal e transcendente, oramos, no entanto, ao Deus soberano que controla todas às cousas e, até nos momentos onde estamos nos tornando insensatos Ele é capaz de fortalecer nossa fé! E, como já citado, ele nos deixou meios para isso.
Em segundo lugar, lembremos que a Bíblia é divinamente inspirada e “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17). Ou seja, nós devemos nos alimentar diuturnamente desse rico alimento sagrado. Afinal, você não viverá apenas de comer Subway, Mc Donald’s ou Burger King, mas de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4:4)! Em outro texto, neste blog [3], eu disse que ela – a palavra de Deus – é como um GPS infalível que sempre nos conduz a rota correta.
Em terceiro lugar, quero dizer que você jamais se tornará um insensato se cultivar amizades santas, boas e que te aproxime de Deus. Pelo contrário; os seus irmãos verdadeiros de fé, mostrarão cada vez mais que você nunca deverá viver como se Deus não existisse, uma vez que você foi criado para glorifica-lO e ser satisfeito nEle perenemente [4].
E Cristo, onde está nisso tudo?
Se vocês lerem todo o Salmo 14, perceberão o seguinte: esses homens insensatos estavam vivendo como se Deus não existisse, cometendo às atrocidades mais espúrias possíveis, todavia, no final do Salmo (Sl 14: 5 – 7), verão que eles “Tomar-se-ão de grande pavor, porque Deus está com a linhagem do justo. Meteis a ridículo o conselho dos humildes, mas o SENHOR é o seu refúgio. Tomara de Sião viesse já a salvação de Israel! Quando o SENHOR restaurar a sorte do seu povo, então, exultará Jacó, e Israel se alegrará”. Isto é, aqueles que não se tornaram insensatos, acharam refúgio e fortaleza em Deus (Sl 46) e se alegraram pela salvação que logo vinha de Sião (vs. 6 e 7).
Como não perceber Cristo nisso tudo?!
Eis o ponto nevrálgico da nossa reflexão: somente a verdadeira fé e plena convicção no nosso Salvador Jesus Cristo é que não nos permite cair em insensatez! Que essa verdade esteja incutida em nossas mentes, de modo que o sacrifício do Cordeiro na cruz do calvário produza conforto ante às mais variadas situações da nossa vida. Ele mesmo prometeu que estaria conosco até a consumação dos séculos, em virtude da nossa passagem pela terra – como forasteiros e peregrinos. Ele disse que haveríamos de passar por aflições, mas que estaria conosco e, por isso, deveríamos ter bom ânimo, afinal, Ele já venceu o mundo (Jo 16:33)!
Sollus Christus
Rafael Durand
Membro do núcleo de estudos em política, cidadania e cosmovisão cristã, é advogado e cristão protestante.